Educar: é sobre nós
Artigos que nos convidam a refletir
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Para uma vida sem limites
Ana Paula Dini
A criança é feita de cem.
A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar,
de jogar e de falar.
A criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem, cem),
mas roubaram-lhe noventa e nove.
Loris Malaguzzi
Falar da influência da tecnologia na vida de crianças e jovens é falar sobre o risco que eles correm de viver uma vida com limites. Com limites sim! A crença de que as tecnologias nos levam a viver uma vida sem limites não é verdadeira quando pensamos na perspectiva da infância.
O cérebro do recém nascido, mais tarde o do bebê, mais tarde ainda o da criança e ainda bem mais tarde do adolescente está em formação . O desenvolvimento neurológico do cérebro humano é influenciado pelas vivências que temos desde muito cedo, mas também por aquelas que deixamos de ter. Somos moldados pelas experiências e pelos diferentes ambientes com os quais interagimos. As conexões cerebrais possíveis são inúmeras e infinitas, isso mesmo, infinitas!
Quando a base de todas essas experiências e ambientes das crianças são diferentes dispositivos eletrônicos, tiramos delas a oportunidade de desenvolver todo o seu potencial cerebral, porque a infância é uma época de mudanças significativamente maiores na estrutura anatômica e conectividade cerebral. As crianças podem usar mais que seus dedinhos para interagir com o mundo. Imagine, explorá-lo com todo o seu corpo e sem limites.
Caso você se veja preocupado com o excesso de telas pelos seus filhos, perceba neles qualquer sintoma de irritabilidade por estar longe das telas, veja neles desinteresse por atividades externas ou ainda, resistência em deixar ou mesmo parar a atividade da tela, esses podem ser alguns dos sinais de que há algo a ser visto para além do que parece natural.
As tecnologias não deixam crianças mais inteligentes, elas foram inventadas para facilitar a nossa vida, o nosso dia a dia, a fim de que tenhamos, entre outras coisas mais tempo e inclusive, possamos usá-lo para contemplar nossos filhos e filhas explorando curiosamente, artisticamente, criativamente, ludicamente as possibilidades do mundo; o tempo que nos foi concedido a partir das descobertas tecnológicas também pode ser usado para que possamos experimentar o tédio junto dos nossos filhos ou participar com eles de eventos sociais nos quais todos sejam convidados a pertencer e a se ver ocupando um lugar seja na mesa de um restaurante, num parque ao ar livre, numa comemoração familiar e até mesmo, exercendo alguma atividade prática da rotina familiar. A melhor maneira de devolver ao seu filho o seu potencial é tê-lo conectado com as experiências e ambientes reais que tenham como base a afetividade humana, essa sim não tem limite.
Outubro 12, 2023
Ana Paula Dini
Para driblar o tempo não há muito segredo: primeiro há que se organizar tudo e depois aprender a priorizar. À medida que temos uma rotina, esquecemos que estamos correndo contra o tempo e tudo passa a se encaixar.
Desse modo a correria deixa de ser questionada e passa a ser necessária.
Se é tão simples, porque parece que nunca estamos dando conta? Porque temos mania de perfeição, porque não queremos priorizar, acreditamos que temos e podemos dar conta de mais um pratinho, vivemos tendo imprevistos que nos tiram da nossa rotina como: a falta da empregada, a tosse que não cessa do nosso filho, uma lição de casa em forma de pesquisa para ontem, o trânsito que, detalhe, é um imprevisto previsto, a internet que caiu bem na hora que eu ia efetuar o pagamento, o caixa do supermercado que não encontra o código do produto, a criança que não termina nunca de se trocar, que enrola pra comer, tem o relatório que precisa ser feito, o curso que deve ser concluído em duas semanas, antes que se comece o outro que já foi agendado pela empresa… enfim, a lista é interminável. Porque tudo ou quase tudo, para quem faz tanto, é complicador.
Como temos muitas frentes é inevitável que uma delas tenha um ou outro probleminha, entre em colapso, e que o nosso tempo sempre esteja sendo reorganizado em função dos nossos compromissos, que de rotineiros só tem acordar cedo e dormir muito tarde.
Vivemos então mergulhadas em um encadeamento de ações que para quem vê de longe parecem bem sem sentido. Corremos o tempo todo. E para onde? Com esse questionamento, paramos.
Definir o objetivo da corrida é de suma importância para que se tenha mais tempo. Porque quando estabelecemos as nossas metas, mesmo que a contragosto, temos que priorizar. Mas hoje em dia… isso está cada vez mais difícil.
Vivemos em um momento histórico em que as oportunidades são muitas, mas a falta de constância, as incertezas e o medo de não dar conta nos toma por inteiras. Diante deles, só mesmo correndo sem saber pra onde, se eu parar não dou conta.
O chato disso tudo é que acabamos apressando a vida. A nossa e a de nossos filhos. Queremos que eles cresçam e isso está implícito quando dizemos: “Quanto mais cedo melhor!”
Quanto mais cedo ele for para a escola e ficar livre de estar em casa com uma pessoa que não lhe acrescenta nada, quando mais cedo ele entrar em contato com outras crianças, quanto mais cedo ele andar, quanto mais cedo falar, quanto mais cedo aprender inglês… melhor! Ele ganha tempo.
Dizemos: “Como essas crianças estão espertas, já nascem sabendo mexer no computador, fazem tudo antes do tempo…” ai, delas se não forem assim. Como poderiam lidar com mães e pais que correm tanto?
A culpa não é nossa, desde que saibamos para onde vamos e para onde levamos os nossos filhos.
Fevereiro 20, 2023
Ana Paula Dini
O número de mães que se sentem culpadas cresce a cada dia. Como o meu trabalho se relaciona com a formação e o desenvolvimento de crianças, escuto e dou atenção especial à culpa das mulheres no que se refere aos seus filhos, mas sei que a nossa culpa não começa nem termina aí. […]
Essa não é apenas uma tendência do mundo pós-moderno em que vivemos. Nossa culpa não é de hoje, temos carregado a maldita por séculos, talvez tenhamos sido geradas com ela, ou, quem sabe, conquistado-a quando oferecemos a Adão o tal do fruto proibido. Fomos vítimas de uma história mal contada, a “queda” da humanidade não se deu por nossa causa. Acreditar nisso é ver só um lado de uma longa história.
E é aí que reside todo o perigo, quando nos culpamos, passamos a ver tudo a nossa volta com uma perspectiva única: a nossa.
A criança desde muito cedo precisa se sentir amada, querida, segura. Ela não tem mecanismos para se sentir assim sozinha, é preciso que nós a autorizemos. Essa autorização valida seu desenvolvimento emocional, social, físico e também intelectual. A mãe, em geral, representa para a criança a ligação com o mundo. A criança estabelece por meio dessa relação o contato com o mundo exterior e o exercício para o contato com seu mundo interior.
À medida que nos sentimos culpadas e consequentemente inseguras por não estarmos fazendo tudo da forma como gostaríamos – às vezes até porque nem sempre sabemos o que exatamente queremos -, passamos aos nossos filhos a mensagem de que as coisas não vão bem, e pra eles é impossível ficar bem.
Para ilustrar o que estou dizendo vai aí uma história. A mãe de um menino de quatro anos, acostumada a trabalhar meio período, de repente, se viu em uma situação que a “obrigava” a trabalhar em período integral. Completamente insatisfeita com a situação, a mãe tinha certeza de que seu filho não poderia ficar bem a tarde toda em companhia da empregada, ou com quem quer que fosse. Não demorou muito para o menino, autorizado (ainda que de modo inconsciente) pela mãe, ter crises de bronquite, coisa que nunca havia acontecido antes. Foram noites viradas em pronto socorro, sofrimento por parte dos pais e da criança.
Todos os remédios, tratamentos homeopáticos e alopáticos foram em vão; a criança não melhorava e a mãe tinha certeza: “Ele está assim porque eu estou ausente, a vida dele mudou completamente. Coitadinho!!!” (e que perigo para autoestima ser visto como coitado!).
A situação era grave e, por isso, fácil de ser detectada. Quero alertá-las: nem sempre é assim, às vezes a culpa aparece sorrateiramente e vai nos tomando pouco a pouco. Quando vemos, nossos filhos também já estão contaminados e nem sabemos como tudo começou.
Foi necessário um grande esforço dessa mãe para conseguir separar o seu descontentamento com a situação, foi difícil para ela compreender o que o filho pudesse realmente estar sentindo com a sua ausência. Ela precisou pensar e planejar alternativas possíveis para um menino de quatro anos que talvez nem mais precisasse da sua companhia diária para brincar (e aqui foi necessário que ela aceitasse o seu crescimento). A situação exigiu que essa mãe deixasse de se sentir “obrigada” a trabalhar o dia todo e sim, pensar em alternativas que lhe possibilitassem uma mudança na sua vida que lhe trouxessem satisfação, mesmo vivenciando uma situação adversa. Parece impossível? Mas não é, eu garanto, porque essa história é minha.
Hoje me sinto livre, leve e feliz, superei a minha culpa, aprendi a devolver à Eva o que é de Eva… pelo menos, em relação ao meu filho.
Quando sentir uma pontinha de culpa, pare e pense em quais as alternativas que você tem para não se sentir assim e busque colocá-las em prática. Nada é melhor do que viver sem culpa, apenas com responsabilidade. Esse sentimento, ao contrário da culpa, não nos paralisa, ele nos transforma – e aos nossos filhos – em seres humanos melhores.
Julho 31, 2008